Brasília-DF, 23/7/2010 – “A Pobreza é um escândalo! Não podemos aceitar que 17% da população Europeia viva abaixo do limiar de pobreza. Os números são ainda mais inaceitáveis no caso da pobreza infantil: 19% das crianças estão em risco de pobreza!”, informa o manifesto intitulado “Acabar com a pobreza já!”, documento que abriu a campanha da Cáritas, em janeiro deste ano, para assinalar o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social.
Em junho, 200 representantes da Cáritas de todos os países da Europa reafirmaram a luta pela erradicação da pobreza durante o Congresso Europeu sobre a Pobreza e Exclusão Social, realizado em Madri. Eles estão convencidos de que a pobreza é um escândalo internacional e que a luta para erradicá-la depende da construção de uma nova cultura na sociedade, segundo a qual a solidariedade e a corresponsabilidade deverão ter o mesmo valor que a liberdade individual e que a justiça social e a luta contra a pobreza sejam os objetivos de todas as ações políticas dos governos.
Além de investirem esforços nas campanhas de solidariedade e de ajuda à população pobre da Europa, os participantes do congresso decidiram intensificar trabalho com líderes políticos para fomentar e construir urgentemente essa nova cultura nas sociedades européias. No entendimento deles, a pobreza é multidimensional e, para haver uma efetiva erradicação, é necessário intervir também em aspectos imateriais que geram e imortalizam a pobreza no mundo.
Para eles, “a melhor forma de prevenir a pobreza e de lutar contra ela é empoderar-se e assegurar a participação social das pessoas em situação de pobreza”, indica o documento final do Congresso, intitulado Propuestas politicas de Caritas Europa a los decisores europeos. Durante a Conferência Principal, o presidente da Caritas Internationalis, Cardeal Óscar Rodriguez Maradiaga, ao referir-se à atual situação de pobreza e de exclusão no mundo, disse que “para falar de pobreza é vulgar utilizar estatísticas. Para a Cáritas os pobres não são números, e sim pessoas que têm rosto”, afirmou.
Ele expressou sua perplexidade perante o posicionamento de muitos governantes que, em vez de investir recursos financeiros na erradicação da pobreza, preferem aplicar milhões de euros e de dólares no sistema bancário. “Fico muito triste quando me lembro que, em Roma, na reunião da FAO, calculou-se que para acabar com a fome no mundo seriam precisos cerca de US$ 6 bilhões e os líderes mundiais disseram que não tinham possibilidade de pagar essa fatura. Nos meses seguintes, um só país pagou ao sistema bancário um montante superior para ajudar a debelar a situação de crise financeira do banco”, disse o Cardeal.
Segundo ele, em todo o mundo, a dinâmica é a mesma: sempre são os mais pobres a sofrerem com os cortes, “quando eles deveriam ser intocáveis”, argumentou. O presidente da Cáritas Internacionalis disse ainda que “as gerações futuras não vão compreender como é que, ao fim destes anos, permitiu-se que tantas pessoas vivessem em situação de pobreza” concluiu. As iniciativas para solucionar o estado de pobreza da população européia foram discutidas também com representantes de países em desenvolvimento, pobres e ricos dos outros continentes: Brasil, Estados Unidos, Singapura e Etiópia.
Participação do Brasil – Organizado pela Cáritas Europa e Cáritas Espanha, o congresso contou com o apoio da União Européia e teve como convidados, representantes da Cáritas do Brasil, da Etiópia, de Bangladesh e dos Estados Unidos. A diretora nacional da Cáritas Brasileira, Cristina dos Anjos Conceição, representou o Brasil e participou, assim como vários representantes de países de outros continentes, de um painel em que todos puderam apresentar a leitura e as experiências da Cáritas no enfrentamento à pobreza e à exclusão social.
“Foi um debate importante. Nele, ficou evidente a preocupação da Caritas Europa com a crise financeira e econômica – um processo que tende a se aprofundar”, afirma Cristina dos Anjos, ao analisar a participação da Cáritas Brasileira no evento. Segundo ela, evidenciou-se também a dificuldade de se pensar estratégias de enfrentamento da pobreza tendo as pessoas empobrecidas como protagonistas. “Por isso, foi importante a participação das demais regiões do mundo que levaram suas experiências”, esclarece ela.
Com o tema “Cáritas no mundo: experiências de análise da pobreza e das políticas de desenvolvimento”, uma mesa redonda foi realizada para os participantes conhecerem experiências de enfrentamento e combate à pobreza em outros países. Moderada pela secretária-geral da Caritas Internationalis, Lesley-Anne Knight, a mesa contou com a participação dos representantes do Brasil, Singapura, Estados Unidos da América e Etiópia.
Crise financeira e pobreza – Cristina informa que a Cáritas Europa decidiu realizar o congresso em virtude da crise financeira e econômica que atinge o continente europeu. “Diante da necessidade de se pensar metodologias e ações para trabalhar com pessoas pobres, a Cáritas decidiu aprofundar o debate sobre a pobreza e apresentar propostas à União Européia. Contudo, para elaborá-las, levou em consideração as informações trazidas por esses países convidados, visto que eles acumulam experiências”, explica.
Segundo ela, a Cáritas Brasileira “contribuiu com o debate ao levar ao congresso o protagonismo, a defesa de direitos e de políticas públicas enquanto elementos essenciais no processo de organização e autonomia dos grupos empobrecidos”, disse. Na apresentação, Cristina mostrou as ações desenvolvidas pelo governo federal, os números da pobreza no Brasil, a análise da Cáritas Brasileira sobre a pobreza e a experiência da entidade na convivência com o semiárido, na segurança alimentar e na economia solidária.
Ela mostrou ainda que o Brasil se encontra, atualmente, numa encruzilhada econômico-financeira, ou seja, ao mesmo tempo em que apresenta alta renda, está preso ao alto nível de pobreza. Números do próprio governo – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) – revelam a contradição do modelo econômico.
No Brasil, enquanto os 10% mais ricos se apropriam de quase metade (47%) da renda nacional, 18,9% ganham menos de um salário mínimo; 16,8%, entre um e dois salários mínimos; e 38,5% não têm rendimento. Cerca de 59% da população economicamente ativa – 38 milhões – não tem previdência e 67% dos brasileiros têm menos de oito anos de estudo. Na área de educação os dados do Ipea indicam que 19 milhões de brasileiros são analfabetos e 35 milhões apenas “desenham” o próprio nome.
Cristina mostrou também que a população negra representa 63% dos pobres do Brasil e muitas crianças entram no mercado de trabalho precocemente, não freqüentam a escola e, muitas vezes, vivem nas ruas à mercê da prostituição e do crime organizado. A maior parte das terras agricultáveis é ocupada pelas propriedades com mais de mil hectares que concentram mais de 43% da área total do território nacional.
Assessoria de Comunicação – Cáritas Brasileira